Entrevista com Auditóra de Saúde Pública
Liz Vanessa Souza Coutinho de Oliveira, 35 anos. Graduada em enfermagem pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB em 2001. Especialista em Medicina Social e Preventiva com área de concentração em Saúde da Família pelo Instituto de Saúde Coletiva – ISC/UFBA. Especialista em Educação Permanente em Saúde pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Tem experiência com a Estratégia de Saúde da Família, com docência (professora substituta da UFBA) e com Auditoria (Saúde Pública e Operadora de plano de saúde). É Auditora em Saúde Pública da Secretaria Estadual de Saúde desde 2006 e da Secretaria Municipal de Saúde de Camaçari desde 2009. Atuou também como auditora de operadora de plano de saúde por 8 anos.
1.Quais as atribuições de um Enfermeiro Auditor?
De forma muito resumida, podemos dizer que as atribuições da enfermagem no campo da Auditoria variam de acordo com o sistema de saúde (público ou suplementar) e de acordo com o lugar de onde esta atividade é desenvolvida, se interna ao serviço ou externa. Por exemplo, nos hospitais (públicos ou privados) os auditores internos são profissionais contratados pela própria instituição para avaliação da qualidade da assistência e da adequação dos instrumentos de cobrança (suplementar) ou de produção (público). As operadoras de plano de saúde também se utilizam dessa força de trabalho não só para verificar se as cobranças são devidas, mas também na auditoria prévia (autorização de procedimentos), negociação de materiais de alto custo (OPME), credenciamento de serviços, etc. No Sistema Único de Saúde o SNA (Sistema Nacional de Auditoria) é descentralizado em três componentes: federal (DENASUS), estadual e municipal. O foco da auditoria é melhorar a gestão do sistema de saúde, apoiando o gestor na tomada de decisões. A enfermagem desempenha um papel significativo nessa área, dada sua formação generalista e habilidades gerenciais mais desenvolvidas.
2.Quais suas atribuições enquanto Auditora do SUS no Estado da Bahia?
A atividade de auditoria envolve o exame de atividades e componentes do Sistema Único de Saúde, para determinar se as ações e serviços de saúde, seus resultados e os recursos aplicados, estão de acordo com as disposições planejadas, as normas e legislação vigentes, indicando os dispositivos infringidos e apontando medidas administrativas e penalidades a serem aplicadas. O resultado deste trabalho é consubstanciado num Relatório de Auditoria que é inserido no Sistema de Informação da Auditoria do SUS – SISAUD.
3.Em quais áreas vocês atuou ou atua além da Auditoria?
Depois da graduação fiz residência em saúde coletiva, com concentração em Saúde da família. Atuei por 3 anos na Estratégia de Saúde da Família no município de Dias d´Ávila. Em 2007, fui nomeada Auditora em Saúde Pública do Estado da Bahia. Concomitantemente, atuo também como enfermeira no município de Camaçari, desempenhando minhas funções na Coordenação de Controle e Avaliação. Já lecionei como professora substituta na Escola de enfermagem da UFBA na área de Saúde Coletiva.
4.Quais os profissionais que integram a equipe de Auditória?
Para dar conta das atribuições que o Sistema Nacional de Auditoria possui, a equipe deve ser multiprofissional, reunindo profissionais da área assistencial e de recursos financeiros. No estado da Bahia, somos enfermeiros, médicos, odontólogos, farmacêuticos e financeiros (Economistas, contadores, administradores). Essa composição pode variar em cada componente e no sistema privado, entretanto, médicos e enfermeiros poderiam ser considerados os profissionais mínimos para uma equipe de auditoria.
5.Qual a importância da auditoria para o SUS?
O Sistema Nacional de Auditoria (SNA), por meio de suas atividades de controle, desempenha papel fundamental para a melhoria da qualidade dos serviços de saúde prestados pelo SUS . A auditoria é um instrumento de gestão para fortalecer o Sistema Único de Saúde – SUS, qualificando a gestão e contribuindo para a alocação e utilização adequada dos recursos, a garantia do acesso e a qualidade da atenção à saúde oferecida aos cidadãos. É uma visão reducionista imaginar que auditar está limitado à verificação de produção/faturamento. Mais do que dectar falhas e irregularidades, a missão da auditoria deve ser identificar oportunidades de melhorias na gestão do SUS; A auditoria atende à lógica da atenção aos usuários cidadãos e da defesa da vida, incorporando a preocupação com o acompanhamento das ações e análise dos resultados. Trata-se de uma ferramenta importante na garantia da efetividade do controle social. Seu principal objetivo é propiciar aos gestores informações necessárias ao exercício de um controle efetivo do sistema, contribuindo para o planejamento das ações de saúde, para o aperfeiçoamento do sistema e a melhoria da qualidade da atenção à saúde no SUS. Assim, as ações de auditoria estão voltadas para o diagnóstico e transparência, estimulando e apoiando o controle social, possibilitando o acesso da sociedade às informações e resultados das ações do SNA, consolidando a auditoria como instrumento de gestão.
6.Quais os conhecimentos ou experiências a senhora julga necessárias para se tornas Auditor (a)?
O trabalho de auditoria no SUS é extremamente complexo, pois necessita de grande quantidade de informações que precisam ser cuidadosamente extraídas, trabalhadas e interpretadas. Há muitos interesses e responsabilidades em cena quando se audita a saúde. Assim, a missão do auditor em saúde pública envolve uma visão sistêmica do SUS e seu perfil deve incluir objetividade, comportamento ético, independência, imparcialidade, ceticismo e julgamento profissional, capacidade de diálogo e uma postura diagnóstica, parceira e construtiva.
7.A senhora acha que a sua formação lhe preparou ou lhe deu alguma base para atuar nessa área?
De certa forma. Cursei uma faculdade voltada para a área da saúde coletiva o que resultou num projeto profissional voltado para esta área. Dado esse interesse, me debrucei com mais dedicação nas disciplinas de saúde coletiva, me aprofundando nas políticas de saúde. A residência multiprofissional em medicina social e preventiva também contribuiu muito. Como a formação técnico-acadêmica da enfermagem já nos municia com uma visão sistêmica da saúde, a união destes conhecimentos de políticas foi (e é) uma vantagem no desempenho de minhas atribuições. Quanto aos processos de trabalho de auditoria propriamente dita, a formação tem se dado no trabalho em ato, e as habilidades vão se aperfeiçoando com questionamento e reelaboração contínuos.
8. Diante dos baixos salários e da desvalorização do profissional de Enfermagem a senhora acredita ser essa uma realidade em todas as áreas de atuação ou na auditória seria diferente?
De modo geral, acredito que as principais dificuldades da enfermagem estão relacionadas à valorização de seu trabalho, tanto do ponto de vista social como financeiro. A inexistência de isonomia entre os profissionais é bastante notória e contribui negativamente para esta sensação de desvalorização. Na área de auditoria percebe-se menos a falta de isonomia entre as diferentes profissões da saúde, tendo sido este um dos motivos que me levaram a optar por esta área. Todos os auditores recebem a mesma remuneração e cumprem a mesma jornada de trabalho, diferente de outras áreas como a hospitalar, a atenção básica, etc. Neste contexto, a formação generalista pesa bastante e contribui para que os profissionais desta área sejam mais apreciados.
9. Diante da intensa discussão a respeito de cursos de Enfermagem a distância a senhora, mediante sua experiência como profissional, acredita ser pertinente essa nova proposta?
Absolutamente, não! Até por questões de segurança do paciente. A educação à distância não proporciona os recursos pedagógicos necessários ao desempenho da atividade da enfermagem. Para alcançar as competências necessárias é preciso ações cuja complexidade não se conforma à aprendizagem virtual. Que dizer, então, do necessário contato com o usuário, indispensável para o aprendizado do processo de cuidar, seja em ambiente atenção primária ou especializada. A formação só pode ser concretizada no cotidiano dos serviços de saúde, na integração entre ensino e pesquisa e assistência presencial. É uma excrecência imaginar que isso pode ser aprendido em ambiente virtual.
10. A respeito da defasagem dos profissionais de enfermagem para outras áreas, devido a questões como baixa remuneração e falta de reconhecimento. A senhora sente ou já sentiu necessidade de sair da área da saúde?
Mudar de área sempre passou a ser uma possibilidade em meus projetos a partir do momento em que me dei conta que havia alcançado o limite de vencimentos para uma carreira da saúde. Contudo, sempre resisti a esta ideai em decorrência de todo o investimento que fiz nesta área, desde a graduação. Não estava disposta a abrir mão de anos de estudo e experiência. Entretanto, atualmente, algumas carreiras se tornaram mais atrativas, a exemplo da Receita Federal e este passou a ser parte dos meus planos para os próximos dois anos.
11. Em relação a sua condição de mulher, mãe de 4 filhos e enfermeira, a senhora se sente sobrecarregada pela dupla jornada de trabalho ou inferiorizada no ambiente de trabalho, por questões de gênero, devido a enfermagem ser historicamente uma profissão destinada a mulheres?
A origem da representação social de pouco valor da enfermagem pode ser encontrada, não só na predominância feminina nessa categoria, mas também por não exigir nenhuma formação para o seu exercício até meados da década de 80. Na verdade, até o fim da década de 90 haviam poucos profissionais de nível superior na categoria. Me formei no início dos anos 2.000, quando precisávamos dizer que éramos “enfermeira-chefe” para que interlocutor entendesse que erámos profissionais de nível superior. Sempre achei graça disso. Acho que minha competência profissional, de alguma forma, me protegeu da sobrecarga e da desvalorização.
A opção por esta carreira não foi uma escolha ingênua ou ao acaso, assim como a escolha de ser mãe, não apenas uma, mas quatro vezes (todos os dias!) também não foi. Eu acredito na polivalência feminina. Podemos fazer muita coisa e nos realizarmos em cada uma delas. O prazer que encontro na minha jornada fora de casa se complementa na jornada dentro dela. Não seria uma pessoa realmente completa se alguma delas fosse inexistente ou insuficiente. Poderia dizer que parte dessa satisfação está relacionada ao reconhecimento social, espiritual e afetivo que recebo de maneiras diversas e constantemente. Mas creio que a gratificação existe e acontece em mim independentemente de qualquer reconhecimento. Sinto-me realizada e plena por vivenciar tantos papéis e ser tantas outras de mim mesma que até já perdi a conta... Essa é a graça da vida. E posso afirmar que me sinto valorizada em todos os meus papéis, porque, para mim, valorização vem de dentro e não de fora.